Ivermectina defendida pelo médico Gutemberg Marques não funciona contra COVID-19, diz fabricante do medicamento

Gutemberg Marques e entrevistado por Wanderley Barbosa na Meio Norte FM.

O médico Gutemberg Marques – que não atua na linha de frente contra a Covid-19 em Quixadá – concedeu na manhã desta terça-feira, 27, entrevista ao radialista Wanderley Barbosa, na rádio Meio Norte FM. Nela, defendeu teses bolsonaristas sobre a pandemia e pregou “tratamento precoce” contra a doença. Foi além e disse ter conhecimento de que o prefeito Ricardo Silveira, assim como médicos conhecidos do chamado “Comitê Especial de Enfrentamento à Covid-19” (CEEC) da prefeitura, estariam adotando o “tratamento precoce” como padrão.

Gutemberg Marques usou várias falácias argumentativas bem conhecidas daqueles que não se deixam enganar facilmente. Identificamos algumas delas: o argumentum ad verecundiam, ou argumento baseado na autoridade, nesse caso, na própria autoridade dele como médico. Classificou os ouvintes que o questionaram como “leigos” e disse que não iria discutir com eles. Usou, também, a conhecida falácia do argumento circular, que consiste em justificar a conclusão que está sendo defendida usando a própria conclusão, com palavras um pouco diferentes. Justificou, por exemplo, que tem razão ao defender o tratamento precoce porque ele mesmo tem aplicado o tratamento precoce. É como se ele dissesse: “Eu tenho razão porque eu acho que tenho razão.” E usou a falácia do argumento ad hominem, que consiste em atacar o caráter ou traços pessoais do oponente em vez de refutar o argumento dele. Chamou, por exemplo, quem é contra o tratamento precoce de “idiotas”.

Na entrevista, o médico defendeu principalmente a ivermectina, em suas palavras, “para evitar que você tenha a doença”. Chegou a comparar o tratamento precoce que ele usa à vacina, chamando-o de “vacina oral”. É pura bobagem! A ivermectina não funciona contra a Covid-19! Aliás, NÃO EXISTE TRATAMENTO PRECOCE PARA A COVID-19! A ilusão de que, tomando tais medicamentos, a pessoa ganha algum tipo de proteção preventiva, tem sido apontado por especialistas como fator de aumento de risco de contaminação, já que quem faz uso deles costuma baixar a guarda quanto ao uso de máscaras, distanciamento social e álcool em gel.

Baseamos esta afirmação na autoridade, não de um médico que parece ver em si mesmo a definição do que é verdade, mas no que dizem as maiores autoridades sanitárias, médicas e científicas do planeta.

A farmacêutica alemã Merck, responsável pela fabricação do antiparasitário Ivermectina, já informou em comunicado que não há dados científicos que comprovem a eficácia do medicamento contra a Covid-19. Ou seja: a própria fabricante do medicamento recomendado por Gutemberg Marques diz que ele não funciona contra a covid-19. Será que o Dr. Gutemberg tem mais dados sobre a ivermectina do que a própria fabricante do medicamento?

Mais recentemente, estudo publicado na Revista da Associação Médica Americana (JAMA), que é uma das mais respeitadas do mundo, avaliou se a ivermectina resultaria na melhora dos sintomas das pessoas com covid quando usada nos primeiros dias de infecção, como defendido por Gutemberg Marques. E o resultado foi de que o remédio não fez diferença quando usado precocemente. Então, se a pessoa não tiver sintomas graves, é porque isso já iria acontecer naturalmente.

O professor titular da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais, Gerson Pianetti, explica que já tem casos de hepatite medicamentosa por conta do uso excessivo da invermectina.

“Como medicamento antiparasitário é recomendado. O problema é a aplicação em situações para as quais não está prevista a eficácia terapêutica. É recorrente o risco de surtir intoxicação quando em doses elevadas, como o que vem acontecendo no caso do coronavírus”, diz o Dr. Marcelo Beltrão Molento, da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Ele estuda a ivermectina há 25 anos.

Na lista de autoridades científicas, sanitárias e médicas que não veem eficácia da ivermectina e dos demais tratamentos precoces estão a Organização Mundial da Saúde (OMS); a Food and Drug Administration (FDA), que é a Anvisa dos EUA; a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI); a Sociedade de Infectologia dos EUA (IDSA); A Sociedade de Infectologia da Europa  (ESCMID); os Centros Norte-Americanos de Controle e Prevenção de Doenças (CDC); e, finalmente, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA).

O médico Gutemberg Marques disse na entrevista que não consegue compreender o motivo de colegas seus não usarem tratamento precoce contra a Covid-19. Mas a pergunta correta é: como compreender que um médico faça uso de tratamento rejeitado como eficaz pela ciência que ele deveria defender?

Caso a prefeitura de Quixadá, de fato, esteja fazendo uso de tratamentos ineficazes, como deu a entender Gutemberg Marques, isso pode muito bem explicar a explosão de novos casos mais graves e superlotação de unidades de saúde. Afinal, não se pode esperar outra coisa do uso de instrumentos que não funcionam numa pandemia. Seria muito bom que a população recebesse uma explicação.


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