O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu nesta quinta-feira (7) o concurso para a Polícia Militar do Ceará. A decisão vale para seleção de soldados e segundos-tenentes da corporação. A suspensão foi solicitada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em função da restrição de 15% da participação de mulheres no certame.
Na decisão, Moraes afirmou que a restrição para mulheres em concursos, sem justificativa razoável, afronta a igualdade de gênero. Dessa forma, segundo os ministros, as mulheres devem concorrer na modalidade de ampla concorrência.
De fato, a Constituição Federal estabeleceu, em seu artigo 5, que trata dos direitos e garantias fundamentais, que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações. Essa norma possui aplicabilidade plena. Nesse viés, não há dúvida quanto a inconstitucionalidade de leis que estabelecem limites para fins de ingresso nos quadros da polícia por parte de mulheres.
A PGR e o ministro tem razão. O pênis não é órgão essencial ao exercício constitucional e eficaz das polícias. E o exemplo de milhares de policiais femininas por todo o país está aí para provar isto. Os argumentos que tentam seguir o caminho oposto geralmente nascem no mero desrespeito às mulheres, não em considerações sobre eficácia ou direito e são, portanto, machistas e burros.
O uso, por exemplo, do Art. 144 da Constituição Federal (que atribui às PM’s o papel de polícia ostensiva e de preservação da ordem) como argumento para justificar restrição a mulheres, prova apenas a existência de pouca massa encefálica entre uma orelha e outra de quem o utiliza. Esse tipo de pensamento do “arco da velha” é o responsável por produzir no Brasil uma polícia militar no qual o quadro de mulheres é de apenas 15,6%, e a maioria delas apenas em cargos administrativos e não operacionais na carreira.
O uso apropriado da força e da resistência física será, por vezes, requisitado mesmo à PM no cumprimento da sua função constitucional. Mas não é esta a qualidade primordial que deveria definir e estruturar a corporação e a função policial. Se fosse, quantos policiais “barrigudinhos”, cansados e sem resistência física deveriam estar desqualificados para a função? E por qual razão não se considera desqualificá-los? Porque esse argumento não vale para homens no mundo dos machistas. Vale somente para mulheres, ainda que elas, em tantos casos, estejam mais preparadas fisicamente.
Se, de um lado, temos uma das polícias mais violentas do mundo, de outro temos um dos países mais violentos também. Quantos PM’s matam e, na outra ponta, também morrem exatamente por causa dessa abordagem ultrapassada que prioriza o uso da violência e da força e não da inteligência e da tecnologia? Tornar a polícia mais profissional, não mais masculina, deveria ser a prioridade. E em se tratando de atuação profissional, a mulher pode ser tão apta quanto qualquer homem. Se assim não fosse não haveria mulheres em combate nas Forças Armadas, mas elas estão lá, cumprindo habilmente suas missões.
Realmente, o que se observa como maior empecilho para a ampliação da inserção feminina nas funções operacionais da PM não está na natureza das atividades em si, mas naquilo que Foucault (1995) denomina formas institucionalizadas de perpetuação, como a cultura, as práticas sociais, os ritos, os discursos e as estruturas mentais dos membros da polícia (BOURDIEU, 2001).
Não se trata, portanto, de tornar a PM menos combativa frente ao crime, mas de reconhecer que a oferta de igualdade de oportunidade às mulheres no acesso à carreira policial, em todas as suas esferas e atribuições, não enfraquece a corporação. O pensamento machista que limita esse acesso não encontra respaldo algum na realidade, no direito e, muito menos, na civilidade. É um atraso que não serve para tornar a polícia mais eficaz.
No fundo, o machista é medroso. Receia ser substituído e tenta, a todo custo, proteger as estruturas de poder ultrapassadas que lhe dão abrigo. As mulheres não merecem ser limitadas por algo tão feio.
EDITORIAL
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