Professor quixadaense conta sua experiência com assédio feminino em sala de aula

Jards Nobre é professor, escritor, membro da Academia Quixadaense de Letras e escreve para o Diário de Quixadá.

Eu tinha 23 anos quando comecei a dar aulas no Colégio Valdemar Alcântara, escola católica tradicional de Quixadá. Vinha da zona rural e estava desempregado havia seis meses. O novo emprego era importantíssimo para mim.

Pouco depois que comecei a trabalhar (dava aulas no Ens. Fundamental II), uma aluna do Ens. Médio, já maior de idade, começou a invadir (a palavra é essa!) as minhas aulas e a se insinuar para mim como uma devoradora de homens (uma “maneater”, como diz o título da música da dupla Hall & Oates). Ela simplesmente fugia da aula dela, entrava na sala em que eu estava e ficava me desconsertando com frases provocativas carregadas de sensualidade na voz e nos gestos.

Para mim, aquela situação era bastante perturbadora, porque era um ambiente de trabalho, era um emprego que eu prezava muito, eu estava tentando me firmar como professor e ser levado a sério. Ainda era muito verde, faltava-me experiência e domínio de sala. Eu temia que aquela situação chegasse aos ouvidos da direção e eu fosse o prejudicado, pois havia aprendido desde a primeira semana o quão maliciosos poderiam ser certos alunos, fazendo-se de vítima sempre que a situação os desfavorecesse, sempre com a velha ideia do “Tô pagando!”.

Pior: enquanto eu sofria o constrangimento do assédio, os meus alunos acham a situação engraçada e estimulavam a garota a me provocar, simplesmente para verem minha reação. Acrescente-se a isso o fato de a direção da escola, à época, ser constituída apenas de homens. Como eles reagiriam se eu, um homem, dissesse que estava sendo sexualmente assediado por uma mulher? (pergunta retórica).

Um dia, ela combinou com os alunos que, assim que eu fizesse a chamada, eles saíssem e me deixassem sozinho. Eles assim fizeram, e ela se escondeu atrás da porta enquanto eles saíam. Sem perceber o plano, fechei o diário, apaguei a lousa, recolhi apagador e giz e, ao me aproximar da porta, a moça saiu detrás dela e a fechou, cingindo-me em seus braços e dizendo: “Você só sai daqui agora quando me der um beijo!”

Com esse relato, quero apenas dizer que assédio não é coisa só de homens sobre/contra mulheres, como se pensa toda vez que um famoso é envolvido num caso que repercute pelo país. Homens assediam mulheres, mulheres assediam homens, homens assediam outros homens e mulheres assediam outras mulheres… depende da sexualidade de cada um. O assédio é o que é simplesmente quando um quer e o outro não!

Entretanto, se um homem sofre assédio por parte de uma mulher, o crime é visto de forma bastante diferente de quando a situação é inversa. Não digo que ele sofre menos ou que sofre mais, mas que também sofre e muito!

Meus alunos se divertiam com o assédio que eu sofria, porque eu era um homem e estava sendo desafiado a mostrar minha virilidade (uma cobrança social constante!). Se fosse um rapaz assediando a professora novata, o caso teria ido parar na direção em dois tempos, quiçá na delegacia! Se eu fosse reclamar junto à direção, provavelmente seria chamado de “mole” pelos colegas que ocupavam o cargo de diretor, coordenador pedagógico…. e viraria piada pelas costas.

Parece divertido ver o assédio de uma mulher sobre um homem. Na “Escolinha do Professor Raimundo”, a situação é engraçada, nas novelas e nos filmes idem. Ninguém faz campanha para tirar o programa do ar quando esse assédio é mostrado, pois ele é sempre um elemento de humor.

Lutamos por uma sociedade igualitária antes mesmo de transformarmos nosso olhar sobre as pessoas e tratarmos da mesma forma o mesmo crime, independente do sexo da vítima.

O longo texto trouxe-me lembranças ruins… Porque a situação poderia ser engraçada para todo o mundo, mas para mim era, no mínimo, constrangedora.

Jards Nobre é professor, escritor, membro da Academia Quixadaense de Letras e escreve para o Diário de Quixadá.


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