Condução atrasada

Quando um dia começa ou termina? Ele começa à meia-noite ou quando acordamos? Ele termina quando voltamos pra casa ou quando o relógio está prestes a marcar meia noite?

Se eu tivesse que dizer, com a questão me atingindo como um tiro à queima-roupa, eu diria que é diferente para cada um. É diferente para quem vive e para quem vê, é diferente dependendo do ponto de onde você olhar ou você está. Assim mesmo, bem neutro.

Em um ponto de ônibus na Avenida da Universidade, coração pulsante do Benfica, em Fortaleza, algumas pessoas esperam o ônibus, o dia está começando ali para a maioria delas, talvez não, mas é o que parece. Algumas estão indo trabalhar, outras estão indo estudar, algumas poucas estão voltando para casa depois de uma noite de trabalho e, para elas, aquele momento é o fim do dia anterior.

Naquele ponto de ônibus apinhado de gente, uma mulher de calça jeans escura e blusa roxa segura a mão de uma garotinha de uns 10 anos, talvez sua filha. Vamos dizer que é sua filha. A mulher olha para o relógio de pulso e logo em seguida para a esquina da avenida, de onde brotam carros, motos e uma ou outra bicicleta.

Onde está o ônibus que já deveria ter passado por ali? O dia precisa começar, a vida tem que seguir seu curso, mas o ônibus atrasado é como uma rocha que atrasa todo o percurso de um rio e o impede de seguir livremente por onde deveria, mas a mulher de blusa roxa e calça jeans não pode contornar aquele problema, ela precisa da pedra, precisa do ônibus. Como o rio, ela precisa contornar aquele obstáculo para seguir em frente. Aquela mulher é fluida, ela tem que se ajustar ao que tem, ao que a vida dá a ela, é água, é rio.

O ônibus finalmente chega e a mulher puxa a garotinha para dentro dele em meio ao pequeno aglomerado de pessoas que também esperavam por aquela mesma linha. A mulher senta próximo à janela com a menina no colo, sempre segurando sua mão, o dia está começando. De verdade, sem pausa, a pedra já passou.

Ao lado dela, um senhor usando camisa simples e cabelos brancos como algodão contempla o nada com o olhar perdido, talvez pensando na vida, no seu início, no seu fim.

Quem dera a vida fosse como um dia, um mês, uma semana ou uma marca no calendário e pudéssemos saber quando ela vai terminar, ou não terminasse até que terminássemos nossos afazeres.

Porque naquele dia, naquela avenida pulsante, a mulher de blusa roxa sentou ao lado de alguém que estava começando o último dia de uma vida que pouco a pouco parava de pulsar e ela não se despediu. Aquela vida tornou-se só mais uma no meio de tantas outras histórias de pessoas que começam seus dias pegando um ônibus atrasado.

Maggie Paiva estuda Comunicação Social na Universidade Federal do Ceará e escreve para o Diário de Quixadá. 

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